Crítica: Fragmentado



Vinte e três personalidades vivem no corpo de Kevin Wendell Crump. Interagem como se estivessem sentadas em círculo, sendo chamadas uma a uma para externar sua individualidade. Em "Fragmentado", novo filme do indiano M. Night Shyamalan, ele utiliza a rara doença chamada de Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI) para criar um intrigante conto de horror.

Na trama, Kevin mantém uma vida tranquila sob constante tratamento psiquiátrico. Porém, escondido dos olhos da sociedade, o homem sequestra três adolescentes no estacionamento de um shopping. O responsável, na verdade, foi Dennis, a versão mais perigosa de si mesmo.

Dennis desenvolve um plano, coloca-o em prática e mantém os outros 22 companheiros sob seu domínio. Quando o lado maligno aflora, o próprio Kevin fica refém desse jogo psicológico. O propósito de Dennis é despertar uma nova personalidade, muito mais poderosa.

Quem dá vida a todas essas personagens é o ator James McAvoy, certamente um dos mais subestimados de sua geração. Já deu show em produções como "Desejo e reparação", "O procurado", "Em transe", "Filth" e até mesmo na tenebrosa modernização do clássicao de Mary Shelley, "Victor Frankenstein".

Em "Fragmentado", McAvoy realiza um trabalho tanto de entrega quanto de repertório, uma vez que impressiona pela facilidade e  rapidez com que passa de uma personalidade para outra na mesma cena, seja um menino de nove anos, uma mulher mais velha, um gay estilista ou uma figura ameaçadora.

Se por um lado há uma certa preocupação sobre quem é esse complexo indivíduo, há um total descaso com os demais personagens, com exceção de Cassey (Anya Taylor-Joy, de "A bruxa"), em que o roteiro forçadamente apresenta um traumático passado para a jovem.

As demais meninas sequestradas são reduzidas a estereótipos de patricinhas fúteis. Até mesmo a psiquiatra Dra. Fletcher (Betty Bucley) recebe cenas lamentáveis junto da irmã ou de colegas de profissão. Sua presença é apenas para fins didáticos.

A sensação é de que estamos frente a um roteiro com sérios problemas, sustentado principalmente por uma atuação visceral. A curiosa doença de Kevin poderia ser abordada de forma mais interessante, valorizando a crise de consciência, ou seja, o combate entre as suas forças internas.
Querendo ou não, há uma identificação com o protagonista, uma vez que todos possuímos várias personalidades perante a sociedade, enquanto filhos, pais, profissionais, amigos, netos, etc. Também possuímos nosso lado bom e também um lado negro.

Ao invés de explorar essas nuances típicas de qualquer ser humano, o terceiro ato busca provocar a repulsa do espectador por Kevin. Se o caminho até ali pouco apresentava de sangue e violência, a conclusão aposta nesse combo, somado a elementos sobrenaturais. Nos últimos 30 segundos de projeção, Shyamalan tenta fundamentar suas escolhas ao instaurar a trama em uma outra realidade, com direito a participação especial de uma estrela de Hollywood.

Mesmo desconsiderando essa última sequência, "Fragmentado" como um todo carece de cuidados. O filme não é bem orquestrado, deixando seu privilegiado lugar como suspense psicológico para um descambar para um filme de serial killer ou uma fantasia. Falta a complexidade presente em seus primeiros longas, como "O sexto sentido", "Corpo fechado", "Sinais" e "A vila".

Apesar de detalhes importantes como estes, o filme é um bom suspense (gênero praticamente esquecido pela indústria), sendo bastante tenso e instigante. Revela-se também um retorno ao topo para o diretor. O projeto faturou mais de US$ 125 milhões nas bilheterias norte-americanas em apenas três semanas, tornando-se o filme de terror mais rentável dos últimos anos. Desta forma, Shyamalan deixa para trás os recentes fracassos como "Depois da terra", "A dama da água" e "O último mestre do ar", e inaugura um novo - e quem sabe promissor - ciclo.

Nota: 7,5

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