Crítica: Corra!


Desde sua estreia no festival de Sundance, em janeiro deste ano, o filme independente "Corra!" trilhou um caminho surpreendente. Chegou aos cinemas norte-americanos em plena temporada de premiações, incluindo o Oscar, e foi um fenômeno. Com isso, ganhou ampla distribuição mundial. Custou cerca de US$ 4,5 milhões e já ultrapassou a marca de US$ 170 milhões em lucro.

Os méritos podem ser creditados ao diretor Jordan Peele, que escreveu e dirigiu o projeto. Surpreendente também é saber que este é seu primeiro filme. Ele vem de uma carreira como ator em programas humorísticos e, ao contrário do que se poderia esperar, a criação dele é um suspense/terror que fala sobre o preconceito racial.

Na trama, Dean (Daniel Kaluuya) é um jovem negro e fotógrafo que está namorando há cinco meses com a bela e branca Rose (Allison Williams). Eis que, num fim de semana, ela convida o companheiro para conhecer seus pais liberais que vivem numa casa de campo no interior dos Estados Unidos.

"Corra!", em seus minutos iniciais, pode até sugerir ser uma comédia romântica, quando o casal interpretado por Catherine Kenner e Bradley Whitford acolhe com muita simpatia o genro. Porém, não há nada de inofensivo naquela casa - e Dean descobre gradativamente os muitos segredos escondidos.

Tem-se, então, o racismo como a base da história, podendo ganhar camadas mais profundas de acordo com a interpretação do público. As pistas são oferecidas para uma discussão posterior. Talvez esteja aí um dos problemas do projeto.

Apesar de moldar suas motivações no preconceito racial, estas não se cumprem com excelência na resolução, que opta pelo caminho mais fácil. Parece que houve um certo receio de investir pesado no discurso, tornando a exibição palatável para uma plateia genérica. O final alternativo divulgado na internet cumpre melhor sua função.

A escolha oficial faz com que a trama, ao invés de ser apresentada como uma fábula para discutir algo maior, na verdade, seja um conto de horror que realmente se leva a sério. É difícil comprar algumas situações absurdas (vide a sequência de uma cirurgia) que mais parecem uma mistura de "Black Mirror" com "O Albergue".

Sem sustos, apenas uma brutal violência em poucas cenas, "Corra!" acerta em despertar a curiosidade e gerar um clima de tensão através de personagens duvidosos. Aliás, a utilização de uma xícara nunca foi tão apavorante. Apenas seria mais eficaz se as intenções do diretor ficassem ainda mais aparentes (e provocativas). 


Nota: 6,5

Crítica: Guardiões da Galáxia - Volume 2



Desde o subtítulo que remete às fitas cassetes até a sequência de abertura ao ritmo de um rock dos anos 1980, na qual Baby Groot ensaia seus passos de dança enquanto os heróis enfrentam um monstro gigantesco, a cultura pop dita as regras em "Guardiões da Galáxia - Volume 2". Não faltam referências - e também diversão - na continuação para o sucesso de 2014.

Os acontecimentos do primeiro filme serviram para reunir o improvável grupo formado por Peter Quill, Gamora, Drax, Rocky e Groot. Agora, eles precisarão enfrentar novos desafios, como a perseguição da alta sacerdotisa Ayesha ou ainda desvendar os mistérios que envolvem o verdadeiro pai do Senhor das Estrelas.

A nova aventura aposta na união da turma, desenvolvendo dramas pessoais tanto do protagonista quanto dos demais personagens, vide a relação conflituosa entre Gamora e sua irmã Nebulosa, o envolvimento despretensioso entre Drax e a alienígena Manty, a preocupação dos guardiões com o pequeno Groot e as decisões determinantes de Yondu - que ganha merecido destaque na trama.

Desta forma, o roteiro valoriza suas criações com a proeza de acertar nos momentos de alívio cômico e, também, nos mais emotivos. Difícil não se emocionar quando toca "Father and son", do Cat Stevens... Tudo isso sem deixar o caráter cool da produção, com trilha sonora relevante para a história, figurinos vintage/futuristas e cenas de visual deslumbrante, como a visita a um planeta pouco desbravado ou o balé proferido por uma flecha assassina.

O ponto fraco do projeto talvez sejam as motivações pouco satisfatórias oferecidas para as ações do pai de Quill, interpretado por Kurt Russel. Do restante, mesmo sendo completamente nonsense (absurdo), "Guardiões da Galáxia 2" é mais verdadeiro que todos os demais filmes da Marvel. Combina interessantes conflitos familiares com adrenalina, estilo e muito carisma. Falando em carisma, o símbolo da palavra poderia Baby Groot. Fica impossível resistir à adorável arvorezinha durante toda projeção. É, sem dúvidas, a grande estrela do longa. 

Nota: 8,7


Crítica: Fome de Poder


Poucas vezes o título "traduzido" funciona tão bem quanto o original. O novo filme de John Lee Hancock ("Um sonho possível") consegue essa proeza, tanto com o explícito "Fome de poder" quanto com o irônico "The founder". A história baseada em fatos reais aborda a ascensão da maior rede de fast food do planeta, o McDonald's.

O responsável por este feito é Ray Kroc, um homem de 52 anos, classe média, inicialmente vendedor de máquinas de milkshake. Seria ele o criador do conceito de comida rápida, de produzir um hambúrguer em 30 segundos ao invés de 30 minutos? Não. Os verdadeiros inovadores foram os irmãos Richard e Maurice McDonald. Os dois moradores de San Bernardino, interior da Califórnia, apostaram em uma pequena grande ideia e fizeram sua lanchonete transformar-se em um sucesso local.

Numa visita à cidade para entregar suas máquinas, Ray fica encantado com o negócio idealizado pelos irmãos e dá um jeito de tornar-se sócio do empreendimento. Fica, então, responsável pela expansão da marca através de franquias.

O intruso realmente transforma a marca em um império mundial, porém sua ambição desmedida leva-o a caminhos no mínimo controversos, prejudicando a dupla que começou o projeto. A briga entre o trio vai longe no decorrer de quase duas horas de projeção.

Hancock adota uma pegada neutra, apresentando tanto o lado "persistente" quanto sacana do protagonista. Já enquanto projeto cinematográfico, o diretor segue a cartilha, sem apresentar nenhum frescor. Quem sustenta o interesse, além da curiosa história real, é Michael Keaton como o personagem dúbio, oscilando entre uma expressão carismática e um sorriso diabólico.

No geral, a produção funciona, principalmente, enquanto biografia, uma história sobre os desafios enfrentados por grandes empreendedores. E levanta questões, como quais são os limites para a ambição, a fome pelo poder? Ray, sem dúvidas, tinha uma visão empreendedora, mas levou-a ao extremo para conseguir o que queria. Foi graças a sua falta de moral que o McDonald's está espelhado pelos quatro cantos do mundo. 

Nota: 7