Paraísos Artificiais


“Uma história de amor e êxtase”. A frase do cartaz de "Paraísos Artificais" traduz duas das principais vertentes deste novo e ousado exemplar do cinema nacional. O drama ambientado nos anos 2000 é sobre o relacionamento do jovem casal Erika e Nando, que encontram-se no Rio de Janeiro, Pernambuco e Amsterdam, em meio ao universo de música eletrônica, drogas e muito sexo. É o conjunto desses novos elementos à produção cinematográfica brasileira que definem o fôlego e o caráter de novidade apresentada pelo filme de Marcos Prado.

Em uma narrativa não linear, a produção se desenrola em três atos, cada um numa cidade. O primeiro ocorre em território europeu, onde Nando (Luca Bianchi) conhece a DJ Érika (Nathália Dill) em uma boate. O segundo se passa dois anos antes, em uma rave que acontece uma vez por ano em uma praia paradisíaca do nordeste do Brasil. Érika, acompanhada da amiga Laura (Lívia de Bueno), experimenta diversas substâncias na procura do auto-conhecimento. No terceiro ato, situado no Rio de Janeiro, Nando volta para casa e enfrenta problemas com seu irmão menor.

A dinâmica de alternar cada momento na vida dos personagens contribui para deixar a história mais atraente. O quebra-cabeças logo começa a ser formado na mente do espectador e, mesmo não sendo tão complexo, contribui ao tom de seriedade do projeto. O excelente trabalho de fotografia, de Lula Carvalho (filho de Walter Salles), aproveita essa trama multifacetada para imprimir plasticidades específicas em cada contexto narrativo. A frequente iluminação de festa também ajuda em belas imagens, saturadas em cores vibrantes.

"Paraísos Artificiais" não poderia ter título mais adequado. O universo das baladas de música eletrônica e drogas sintéticas experienciado pelos protagonistas comprova a ilusão criada pelas substâncias alucinógenas. Para alguns, essas descobertas não passam de uma fase, mas para outros traz consequências irreversíveis. É o caso do jovem trio que, em um período de indecisões, encontra a fuga nas drogas e quebra a cara. São garotos e garotas de 20 e poucos anos, de classe média, bonitos e com futuro cheio de possibilidades. Todos querendo se encontrar.

Aparentemente, o diretor Marcos Prado revencia esse mundo de prazer imediato, com suas longas sequências nas raves e constante uso de drogas durante o filme, mas aos poucos essa diversão sem limites acaba tornando-se vilã. E de forma declarada. Todos os personagens que se envolvem com drogas se dão mau. Uma lição moralista do projeto, que deixa um gosto amargo em cada desfecho. Érika, Nando e Laura não serão mais os mesmos após as aventuras arriscadas entre peiote, cocaína, êxatse e GHB.

O filme comprova ainda uma maturidade no cinema nacional, que vai além da qualidade técnica, ao investir em um roteiro sem pudores e preconceitos. Tem cenas de nudez e sexo aos montes, sem apelação. É moderno, jovem e de um vibe que refresca a produção brasileira atual. E, pelos temas contemporrâneos, apresenta apelo universal, podendo vislumbrar uma interessante carreira internacional - além de reforçar a ótima safra de filmes locais, junto a "2 Coelhos" e "Xingu".

Nota: 7,8

Como Agarrar Meu Ex-namorado



"Como Agarrar Meu Ex-namorado" é mais um comédia de ação no estilo "Par Perfeito" e "Caçador de Recompensas". Ou seja, pelas referências já dá para perceber que este lançamento tem tudo para ser uma bomba. E realmente é. Começando pela brilhante capacidade que os tradutores tem para esculhambar com os títulos nacionais. "Como Agarrar Meu Ex-namorado" não tem nada de comédia romântica. No original, "One For The Money" (algo como 'Nessa por dinheiro') é mais condizente com a proposta. Além de "enganar" espectadores ao cinema, o filme não convence nos gêneros de ação, comédia, romance e qualquer outro que talvez tivesse alguma intenção.

Baseado em uma série de sucesso com 20 livros lançados pela norte-americana Janet Evanovich, "Como Agarrar Meu Ex-namorado" conta a história de Stephanie Plum (Katherine Heigl), uma vendedora de lingerie que perde o emprego e vira caçadora de fugitivos da polícia. Seu primeiro caso: capturar Joe Morelli, policial acusado de assassinato, que, por acaso, também foi o responsável por tirar a virgindade de Stephanie e sumir do mapa.

Por não ter ligado no dia seguinte, a protagonista nutre uma raiva (ou paixão?) pelo suposto bandido. Recuperar o cara se torna algo pessoal. A partir desse instante, inicia uma investigação fajuta promovida por Stephanie, alguém que nunca teve treinamento ou preparo para encarar criminosos. Mas, isso não será problema para a mocinha. Ela não tem medo do perigo e passeia por bairros barra-pesada, torna-se amiga de prostitutas, invade casas de traficantes e fica boa de mira quando está brava. Tudo perfeitamente normal.

Com todas essas proezas, não tem como levar o filme a sério - nem mesmo ele se leva. Esse descompromisso com a veracidade não chega a ser um ponto negativo. O defeito maior é que nada funciona. O roteiro é enfadonho, principalmente porque a investida policial não empolga em nenhum momento. O romance é tão óbvio que qualquer um sabe que ela vai se apaixonar novamente por seu caso da juventude. Katherine Heigl e Morelli não apresentam a química necessária - ele, por exemplo, entrega uma atuação tão boa quanto qualquer modelo da Calvin Klein. Por tudo isso, "Como Agarrar Meu Ex-namorado" é um filme sem carisma e muito chato.

Nota: 3,5

Jogos Vorazes


Nova franquia cinematográfica adolescente, “Jogos Vorazes” voa mais longe que seus antecessores “Percy Jackson”, “Crepúsculo” e, inclusive, “Harry Potter” porque foca no lado humano dos personagens e não nas peculiaridades de um universo fantástico. Dessa forma, suas chances em atingir o grande público, que desconhece a origem literária, são maiores. Somado a isso, a história extremamente atual captura o espectador em um mix de ação, violência, romance, política e ficção científica que provoca uma tensão progressiva incapaz de desgrudar um segundo do que está acontecendo no jogo de vida ou morte.

Baseado em uma trilogia escrita por Suzanne Collins, a trama se passa em um futuro distante, na nação de Panem, após a destruição da América do Norte. Anualmente, o governo autoritário sorteia dois jovens entre 12 e 18 anos de cada distrito (a comunidade é dividida em 12 deles, sendo o primeiro o mais rico e o último o mais pobre) para participar de um reality show transmitido ao vivo. Os 24 selecionados são treinados para matar uns aos outros até sobrar apenas um vencedor.

A história é centrada na adolescente Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence), de 16 anos, que vive com a mãe e a irmã menor no distrito 12. No dia da colheita, sua irmã é selecionada para os tais Jogos Vorazes e Katniss se candidata para ir no lugar. Com ela, também do seu distrito, é escolhido o filho do padeiro, Peeta Mellark. Os dois passam a ser treinados por um ganhador do jogo, Haymitch Abernathy (Woody Harrelson). A partir desse instante, a 74ª edição do reality show inicia e a luta pela sobrevivência toma conta da tela.

Mesmo antes dos jogadores entrarem na "arena", a tensão é sufocante. O caminho de Katniss ao violento programa televisivo transcorre sem pressa - e esta revela ser a melhor parte da produção. Quando os jogos iniciam, percebe-se como o reality show é envolvente e fascinante, levando toda população de Panem a assisti-lo. Por se tratar de uma aventura juvenil, o filme não investe em cenas sangrentas. Portanto, apesar de ser um jogo de morte, são poucas vezes que o público pode ficar impressionado.

O triângulo amoroso formado por Katniss, Peeta e Gale (Liam Hemsworth), o namorado dela que ficou fora do jogo, em nenhum momento aproxima-se do que ocorre em Crepúsculo, por exemplo. O amor e as suas dúvidas não são o mais importante na história. Toda narrativa é em função da sobrevivência. E sua heroína não poderia ter sido melhor. Jennifer Lawrence é o símbolo da saga, com jeito de durona, hábil no arco e flecha, impetuosa em suas decisões e inocentemente sensual. Escolha perfeita para protagonista.

“Jogos Vorazes” pode não parecer original. Disputas transmitidas ao vivo já apareceram no livro “1984”, no programa “Big Brother Brasil” e nos filmes “Fahrenheit 451”, “Cubo” e “O Sobrevivente”. O êxito dessa nova versão é promover uma mistura de gêneros (ficção científica, ação, romance) com pano de fundo de crítica social em um ambiente juvenil. Realmente pode não ser original, mas a fórmula funcionou muito bem. O filme é entretenimento de muita adrenalina para qualquer público.

Nota: 8

À Beira do Abismo


Em "À Beira de um Abismo", tudo gira em torno de um homem prestes a se jogar do beiral de um enorme prédio no coração de Nova York. Sua atitude ganha proporções de mega evento quando a rua é evacuada, a televisão passa a transmitir ao vivo a situação e as equipes policiais reúnem-se para impedir que o sujeito pule lá de cima. No entanto, o que parecia ser uma tentativa de suicídio pode não ser bem isso.

Sam Worthington vive esse misterioso homem que em negociação com a policial Lydia Mercer (Elizabeth Banks) não quer revelar sua identidade. Em flashback, sabemos que ele é foragido da Justiça e saiu da prisão a poucos dias. No beiral do prédio, ele se comunica com alguém através de uma escuta. Tantos sinais mostram demonstram que ele não é apenas alguém desesperado querendo se matar. Então, o filme começa a mostrar a que veio.

"À Beira do Abismo" vira um thriller de ação e roubo mirabolante, que, apesar de basear-se em clichês, tem uma boa ideia. Pode não converser muito ao final, mas seu desenrolar é divertido. O time astros competentes (Ed Harris, Edward Burns, Kyra Sedgwick e Jamie Bell) também contribuem para este sofisticado e surpreendente exercício cinematográfico.

Nota: 7,5

Xingu


O diretor Cao Hamburger, de "Castelo Rá-Tim-Bum" e "O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias", realiza longos intervalos de um filme a outro, mas a espera de até sete anos entre cada lançamento é recompensadora: sempre entrega uma obra caprichada sobre o tema que decidiu apresentar ao público. Desta vez, com “Xingu”, ele entra de cabeça na luta dos irmãos Villas-Bôas e, além de contar um pedaço da história brasileira, também promove a discussão sobre o papel do índio no contexto atual.

O filme acompanha os paulistas Cláudio (João Miguel), Orlando (Felipe Camargo) e Leonardo (Caio Blat), que inscrevem-se em um programa do governo Getúlio Vargas, a Expedição Roncador-Xingu, na década de 1940, para habitar terras consideradas desocupadas. Os três são levados para o norte do Mato Grosso com a missão de ser o intermédio entre os homens brancos dominantes e os índios que ali vivem.

A interação dos irmãos com os habitantes ocorre de forma natural. Mesmo sendo invasores, são recepcionados com cordialidade pelos índios e convivem em harmonia numa troca interessante de culturas. Os representantes do governo demonstram total descaso com essa população e aos poucos começam a pressionar uma colonização ou até extermínio.

Os Villas-Bôas então percebem que o melhor é deixar o índio isolado, sem contato com o branco, uma vez que toda vez que esse encontro não é benéfico aos locais. Após tentativas políticvas, os irmãos conseguem criar o Parque Indígena do Xingu, território do tamanho de um estado, com 2,8 milhões de hectares. Por este trabalho frente a maior reserva do mundo, os irmãos foram indicados ao prêmio Nobel da Paz.

Essa trajetória épica é contada por um diretor apaixonado pela transformação real promovida pelos Villas-Bôas, que assim como os índios viveram em isolamento. A qualidade técnica de "Xingu" é impressionante. Uma deslumbrante fotografia desvenda as paisagens naturais do Brasil central. O aúdio e efeitos sonoros são impecáveis. Boas atuações também complementam o projeto, com destaque para João Miguel ("Estômago"), que mais uma vez cria um personagem autêntico e verdadeiro.

A produção nacional veio na hora certa, justamente no ano em que o Parque Indígena do Xingu comemora o seu 50° aniversário. Assim, sugere o debate sobre o lugar do índio hoje, vivendo em uma comunidade que não evoluiu, preso ao passado e esmagado por uma sociedade tida como mais desenvolvida. Ao mesmo tempo, esse habitante dos primórdios ainda cultiva valores nobres como o senso de coletividade e a harmonia com a natureza, mostrando que temos muito o que aprender com eles.

Além de promover essa relevante discussão, “Xingu” tem uma tarefa de igual importância: apresentar e registrar uma realização recente pouco conhecida da nossa história. Os Villas-Bôas foram responsáveis por preservar a cultura indígena, evitando a devastação de aldeias pela construção da Transamazônica e a exploração por seringueiros e proprietários rurais. A área conquistada pelos irmãos em favor dos índios resultou no primeiro parque do país, em 1961. Cao Hamburger, em seu terceiro longa-metragem, comprova que a saga do Xingu é digna de filme – e também de inspiração.

Nota: 7,9

Weekend



Depois de "O Segredo de Brokeback Mountain" não houve um filme que retratasse o relacionamento gay de forma tão verdadeira como a produção inglesa "Weekend". Em uma história romântica e atual, o diretor Andrew Haigh mostra que o amor pode surgir quando menos se espera – e por que não entre pessoas do mesmo sexo? O filme virou cult de forma espontânea, divulgado principalmente pela internet, e ainda venceu mais de 15 prêmios em festivais pelo mundo - muitos deles sem temática gay. "Weekend" é um belo romance que pode atingir plateias universais. Basta não ter preconceito.

A trama se passa em Londres durante 48 horas, um final de semana, quando Russel e Glenn se conhecem em uma boate e a partir daí passam o tempo conversando, fazendo sexo, usando drogas e saindo para bares. Surge uma intimidade instantânea entre os dois. O problema é que Glenn embarcará para fazer um curso por dois anos nos Estados Unidos. A separação é iminente.

"Weekend" apresenta essa relação com calma, deixando que o público conheça os personagens conforme eles mesmos se apresentam um para o outro. Russel é salva-vidas em um clube, mora sozinho e apesar de assumido para os amigos não conversa com eles sobre sua orientação sexual. Glenn é o oposto. Artista, devasso e com um grupo de amigos festeiros. Também está desenvolvendo um projeto de gravar depoimentos das pessoas com quem se envolve sexualmente. Russel será o próximo. E, definitivamente, o mais marcante entre suas entrevistas.

Um relacionamento ser construído durante um final de semana não seria convincente com péssimos atores. Tom Cullen e Chris New são tão autênticos em seus personagens que fica difícil imaginá-los em uma vida diferente daquela assistida na tela. Cullen surpreende como o protagonista carente e solitário e oferece provas de que pode ter uma carreira de sucesso internacional. Também é bom ficar atento ao diretor Haigh, que ainda escreveu e editou "Weekend".

O filme revela-se praticamente um "Antes do Amanhecer" gay. O casal não visita pontos turísticos como no primeiro, mas se conhece e passa um final de semana junto, até um deles ter que partir. Os diálogos abordam com sinceridade os anseios do público que representa: aceitação pessoal e da família, casamento gay e também discriminação social. Como disse o diretor para o The Guardian, apesar de uma aceitação maior da sociedade, o peso de ser diferente continua. "As mudanças acontecem, mas você ainda tem que lutar contra um mundo heterossexual", falou para o jornal britânico.

Nota: 7,8